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Capa do jornal O Globo de sábado 07/6/25
"O essencial é aprender a estar exposto ao outro sem querer absorvê-lo."
— Byung-Chul Han, A Expulsão do Outro
A lógica do mercado de almas e a máquina de pureza religiosa: como resistir com uma ética do múltiplo e da convivência.
Nas manchetes recentes, mais uma vez se confirma um roteiro que já se tornou familiar: a população evangélica avança, os católicos perdem espaço, cresce também o número de brasileiros sem religião ou adeptos de tradições afro-brasileiras. Tudo isso narrado com os mesmos verbos de sempre: avança, cresce, cai, disputa.
É curioso — e inquietante — observar como o discurso jornalístico contemporâneo tende a tratar a fé como se fosse um mercado simbólico em permanente competição. Não se descreve a experiência religiosa em termos de pluralidade, de busca espiritual ou de convivência de saberes e sensibilidades. A moldura é a da feira das vaidades religiosas: quem ganha, quem perde, quem sobe, quem desce.
Aqui, algo profundo se revela. A narrativa que se impõe não é neutra. Ela ecoa o que o filósofo Peter Sloterdijk chamou de matrix do zelo — um dispositivo discursivo e afetivo que atravessa, desde as religiões monoteístas clássicas até as novas formas de identidade política e cultural. No centro dessa matrix está a competição pelo lugar de pureza.
Esse zelo visível, que transborda dos púlpitos para as redes sociais e para o debate público, opera como uma máquina tautológica: somos os salvos porque avançamos; avançamos porque somos os salvos. Toda crítica externa é vista como sinal de que o adversário está "incomodado" pelo sucesso da fé. Todo número crescente reforça a sensação de estar no lado certo da história.
Mas há um custo oculto. A máquina do zelo não tolera a diferença; não respeita o contraditório; não acolhe o paradoxo ou o duplo real. Onde o zelo avança, tendem a avançar também a vigilância moral, a intolerância, o policiamento de corpos e desejos, o discurso excludente. Quando a religião vira mercado de almas, quem mais sofre são justamente as minorias, as vozes dissidentes, os corpos que não cabem no padrão.
É por isso que, diante desse cenário, precisamos cultivar outras linguagens, outros espaços. Proponho aqui uma imagem: a do Coro sem Órgãos. Um campo de convivência onde as vozes não se organizem em hierarquias rígidas; onde a fé — se houver — seja espaço de ressonância e não de imposição; onde a palavra do outro não seja automaticamente hostilizada, mas escutada; onde o silêncio também tenha lugar.
O Coro sem Órgãos não disputa hegemonia religiosa. Não busca avançar em números. Não transforma cada enunciação espiritual em performance de pureza. É um campo aberto à alteridade, ao paradoxo, ao inominável.
No mundo que temos hoje, onde as identidades se acirram e os discursos zelóticos se espalham com velocidade digital, talvez seja justamente o momento de recuperar a coragem do contraditório. De devolver à experiência espiritual — e ao próprio espaço público — a sua complexidade, a sua abertura, a sua capacidade de habitar o duplo.
Porque entre contar fiéis e construir convivência há um abismo. E é desse abismo que talvez ainda possamos fazer brotar um novo canto.
O que é o Coro sem Órgãos?
Inspirado no conceito de corpo sem órgãos, de Deleuze e Guattari, e na polifonia de Mikhail Bakhtin, o Coro sem Órgãos propõe uma metáfora para espaços de convivência onde as vozes não são organizadas em hierarquias de pureza, nem capturadas por discursos dogmáticos.
Num Coro sem Órgãos:
- as diferenças são reconhecidas e celebradas;
- a alteridade não é respeitada como problema, mas como fonte de criação;
- a fé não busca hegemonia, mas abertura;
- o desejo e o silêncio coexistem com a palavra.
Contra a lógica do zelo — que organiza o campo religioso e também os debates políticos — o Coro sem Órgãos é um chamado a práticas éticas e estéticas que respeitem o contraditório, o paradoxal e a complexidade do real.
Fonte: Citado no texto